domingo, 26 de junho de 2011

Os Bichirs:


Bichir é um nome genérico que designa certos peixes primitivos do gênero Polipterus.

Vamos ver um texto escrito por Alexandre Avari, falando sobre esses curiosos peixes:


"O nome Bichir vem de um dialeto derivado do árabe, dado pelos egípcios a estranhos peixes parecidos com dragões que habitavam as margens do poderoso Rio Nilo. Pronuncia-se algo como “bi’rrír”. A origem da palavra árabe, entretanto, é obscura. Pode ser corruptela ou derivada de outro termo, pode ter sido inventada especificamente para esse peixe.
Os pesquisadores, franceses que descreveram a primeira espécie da família, Polypterus bichir, pronunciavam algo como “büchírr” (faça biquinho). Os exploradores ingleses os chamavam de “bitchír”, em referência à palavra inglesa “bitch”, que na época, final do século 19, era utilizada quase que exclusivamente para referir às feras selvagens.
De fera mesmo, os bichires só tem a aparência!!


Algumas espécies:

Existem muitas espécies de Bichires, quase todas pertencentes ao gênero Polipterus (Poli = Muitas + Pterus = Asas, Nadadeiras), com uma interessante exeção de uma única espécie (por enquanto) classificada no gênero Erpetoichthys (Erpetus = Corda + Ichthys = Peixe).

A espécie tipo é raramente encontrada à venda no Brasil, trata-se de Polypterus bichir.

P. bichir / Foto: www.primitivefish.com


Habitam os rios ao redor do Saaha, como o Rio Nilo, Rio Niger e Rio Senegal, uma distribuição bastante ampla, por isso existem muitas variedades populacionais e até algumas subespécies, sendo a mais comumente disponibilizada aos aquaristas o Bichir de Lepradei (P. bichir lepradei). É um peixe grande, chega a 70cm quando adulto, de coloração bastante variável, conforme a população. Pode ser bege acinzentado, mais escura no dorso, clareando uniformemente na direção do ventre, muito parecido comP. senegalus, ou cinza azulado formando manchas irregulares que esmaecem em direção ao ventre, sempre branco.
Outras espécies são menores, talvez por isso mais adequadas ao cativeiro. A mais difundida, sem sombra de dúvida, é P. senegalus. Originário dos rios do Noroeste africano e também o Nilo, coexiste com muitas das populações de P. bichir.

P. senegalus / Foto: www.primitivefish.com



Apesar de haverem registros de exemplares com 50cm de comprimento, normalmente não passam muito dos 30cm em aquário. Muito ativos e simpáticos, são tão difundidos que até espécimes albinos são encontrados com relativa facilidade. Sua coloração normal é um bege claro e uniforme, tornando-se um pouco mais escuro com a idade.

Outra espécie comum e um pouco mais exótica (se é que é possível!) é o P. ornatipinnis.

P. ornatipinnis


Sua coloração malhada de preto sobre um marrom quase dourado fazem desta uma das mais belas espécies de Bichir. Um pouco mais agressivo que as demais espécies, atinge cerca de 40cm em aquário ou até um pouco mais. É encontrado apenas na bacia do Rio Congo.


P. endlicheri é às vezes encontrada à venda, atinge quase um metro e possui uma bela coloração cinza prateado com listras negras. É chamado de Bichir Tigre. É encontrado na bacia do Rio Congo e no lago Tangânica.

P. endlicheri

Dentre as espécies de Polypterus, estas são as mais comuns (se é que alguma é realmente comum!), mas encontramos em nossas lojas com razoável freqüência o Peixe-Corda (Erpetoichthys calabaricus).

Estes peixes atingem 90cm de comprimento, mas são fininhos e compridos, o nome peixe-corda é bastante adequado, ainda mais por sua coloração marrom escuro e a textura rugosa de sua pele.

Erpetoichthys calabaricus / Foto: www.primitivefish.com


Este peixe habita o leste africano, no rio Ogum na Nigéria e no Rio Chiloango, no Congo, região onde habitavam as nações Banthu e Nagô, de onde muitos escravos foram capturados e trazidos para a América, sobretudo para o Brasil. Lugar aonde nasceram as grandes religiões africanas, a Umbanda e o Candomblé. Existem muitas lendas envolvendo esta simpática espécie às diversas entidades cultuadas nessas religiões. Inclusive alguns artefatos eram feitos com esta espécie. Mortos, podem ser “modelados” e enrijecem quando secos.


Conta a lenda que no princípio dos tempos, os Orixás vieram habitar a terra e receberam suas funções de Olorum (Deus). Assim que começaram a trabalhar, os Orixás quiseram fazer oferendas a Olorum, mas apenas um Orixá, Ibeji, tinha a possibilidade de ir da terra para o Aruanda (Céu), pois, apesar de se tratar de um único ser, ele habita em dois corpos, representado por irmãos gêmeos, separados em corpo, mas unidos nela única alma. Assim, um ficaria no Aruanda e o outro lhe passaria as oferendas dos demais Orixás através de uma corda.


Cada Orixá tecia suas cordas e cestos, onde colocavam suas oferendas. Oxum, senhora das águas doces, não dispunha de elementos para tecer seu cesto e sua corda, pois os rios não lhe ofereciam nenhum material resistente o suficiente, e as plantas das margens pertenciam a Ossanha, Orixá responsável pelas ervas.



Então Oxum pediu ajuda a seus filhos, os peixes, e conseguiu fazer sua corda e tecer seu cesto usando os prestativos peixes-corda, e assim pôde mandar suas oferendas a Olorum!

Se não bastasse toda a simbologia que envolve a espécie, são pacíficos, muito ativos, resistentes e graciosos. Infelizmente são também excelentes saltadores. Esguios como são, conseguem passar pelas menores frestas. É necessário mantê-los em aquários muito bem tampados.

Anatomia Bizarra!
Bichires não são peixes pulmonados, mas quase! Possuem bexiga natatória dupla e altamente vascularizada, uma parte, geralmente a direita, muito maior que a outra, ocupando quase toda a extensão de sua cavidade abdominal, a outra parte é encurtada para permitir acomodar o estômago e intestinos do peixe.

São respiradores de ar atmosférico obrigatórios, não vivem apenas com o oxigênio que retiram da água. Os exemplares jovens possuem grandes brânquias externas, como as larvas de anfíbios. Evolutivamente, os bichires descendem de peixes elasmobráquios (cartilaginosos, como Tubarões e arraias) e seriam, na verdade, ancestrais dos dipnóicos, os verdadeiros peixes pulmonados.

De seus primos mais primitivos (ou seriam “tios”?) guardam ainda um estranho aparato chamado válvula espiral, que age como órgão flutuador, ainda encontrado, além dos bichires, nos tubarões e arraias modernos e no Celacanto (Latimeria chalumnae), peixes que não apresentam bexiga natatória, no caso do celacanto, pelo menos não uma bexiga natatória funcional.

Como seus primos (ou “sobrinhos”?) pulmonados, costumam enterrar-se no lodo durante o período de seca, geralmente em regiões que não secam completamente. Comportamento muito parecido com o do Peixe Pulmonado Australiano (Neoceratodus forsteri).

Anatomia externa de um Bichir / Foto: www.palaeos.com

Possuem escamas em forma de diamante, conhecidas como Ganóides. Na verdade, são placas ósseas ligadas à pele por pequenos filamentos. Estas escamas formam uma verdadeira armadura, protegendo-os de seus predadores. Além dos bichires, apenas esturjões e gars (Lepisosteus) apresentam este tipo primitivo de escama.

Possuem ainda nadadeiras com esqueleto ósseo e musculatura, como “bracinhos”, chamadas de nadadeiras lobadas, encontrados, também, nos pulmonados, celacantos e nos Amiiformes, cujo único representante vivo é a Amia calva, dos rios norte-americanos.

Mas parte de seu esqueleto é cartilaginoso, o que dá pistas valiosas da evolução da calcificação do esqueleto desde os peixes mais primitivos até os mais recentes. Justamente por conta desse esqueleto parte ósseo, parte cartilaginoso, os bichires deixaram poucos registros fósseis. Muito de sua evolução pode ser estudada a partir das espécies remanecentes.

Sua nadadeira dorsal é composta por diversas partes, cada “raio duro” forma uma nadadeira independente, os raios macios estão fundidos numa única nadadeira, que se funde à nadadeira caudal. A nadadeira anal, no entanto, é pequena e pouco funcional. As nadadeiras pares (ventrais e peitorais) são musculosas, permitem que o peixe “caminhe” pelo substrato de vez em quando, mas são ótimos nadadores.

…E SALTADORES!! Seus poderosos músculos permitem rápidas perseguições às suas presas em potencial e até “aventuras” em terra seca. Sem sombra de dúvida, o espírito aventureiro é muito mais forte nos Erpetoichthys, mas os Polypterus não ficam muito atrás! Se perceber que seu bichir “sumiu’, trate de procurá-lo ao redor do aquário. Como respiram fora d’água e possuem “pernas”, podem “caminhar” alguns metros em busca de algum lugar escuro para se esconder. Podem sobreviver um bom tempo no seco! Mas bichires perdidos que acabam morrendo, secam e ficam como que “empalhados”. Melhor ter um bichir no aquário do que tomando pó na estante!

Repare na ponta de seus fucinhos: existem duas pequenas “trombas” saindo das narinas. Esses aparatos são canais utilizados pelos Bichires para respirar ar atmosférico sem que tenham que se expor demais à superfície. Algumas espécies, como nos Cabeça-de-Cobra (Channa sp.), têm órgãos semelhantes, diferente da maioria dos peixes respiradores de ar atmosférico mais evoluídos, que possuem a própria boca adaptada para sugar ar, como os Calictídeos (coridoras), Gimnomotídeos (Ituís, Tuviras e Enguias-Elétricas), Osteoglossídeos (Pirarucu), Anabantídeos (Tricogasteres, Colisas e Betas) e os próprios Dipnóicos (Peixes Pulmonados).

Bichir em Casa:
Em um aquário de 200 litros podemos manter um P. senegalus feliz por muitos anos. Para outras espécies, 300 a 500 litros seria mais adequado. Espécies que passam de 50cm precisariam de um pouco mais de espaço com o tempo. São peixes de crescimento lento a partir de determinada idade, mas são “largos” e pesadões.

Gostam muito de decoração mais pesada, ficam horas brincando entre rochas e troncos. É importante que a decoração seja bem fixada, para que não desmorone sobre o peixe durante suas brincadeiras.

Convivem muito bem com plantas, aliás, adoram aquários plantados! Podem acabar desplantando uma ou outra espécie de vez em quando, mas nada de mais.

Geralmente não oferecem nenhum problema quanto a parâmetros da água, companheiros e alimentação. Vivem nas mais diversas condições de água, se bem que preferem águas próximas à neutralidade, exceto as espécies que habitam os grandes lagos do sudeste africano, como P. endlicheri, que preferem águas muito duras e alcalinas.

Há quem diga que podem viver até com peixes pequenos: bem alimentados, não os caçam! Apesar de ter fortes motivos para crer nisso, teria receio desta combinação. Afinal, por quê arriscar?

São mais agressivos uns com os outros, sobretudo na adolescência, do que com outras espécies, com as quais convivem geralmente muitíssimo bem!

Bichires são canibais, um dos grandes problema da criação destes peixes em cativeiro! Grandes bichires podem morder nadadeiras e até atacar peixes maiores, sobretudo se houver mais de um Bichir, não houver espaço suficiente para todos ou forem muito provocados.

Ficam menos ativos com a idade, preferindo passar boa parte do tempo em suas tocas, subindo de tempos em tempos à superfície para respirar. Quem ousar incomodar um Bichir adulto em sua toca muito provavelmente vai conhecer o raro lado agressivo desses peixes, geralmente tão simpáticos.

Comem de tudo, mesmo ração e lascas de peixe ou coração de boi, ou seja, comida “que não se move”. Comem bastante! Certifique-se que ele está satisfeito!

Se há uma certa exigência nestes peixes seria quanto a temperatura. Não apreciam água fria, preferem algo em torno dos 25ºC a 29ºC

Existem criadores de Bichires, e algumas experiências na reprodução deles por aquaristas. Caso queira embarcar nessa fascinante experiência, recomendo ler o artigo REPRODUZINDO BICHIRES – Experiência com Polypterus endlicheri de Hiroshi Azuma."




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